13 DE MAIO, DEVER DE MEMÓRIA






por Nilton Nascimento


Nos vários países da América, a data da abolição, sempre magna, é comemorada com grandes festas, solenidades e feriados. Na França, o 10 de maio é o dia nacional da abolição da escravatura. A França, primeiro país a realizar uma abolição, em 1794, quando ainda governava Robespierre, passou também a ser o primeiro país do mundo a adotar, desde 2001, uma lei que reconhece o tráfico negreiro e a escravatura como crimes contra a Humanidade. Nos Estados Unidos, desde [2009], muitos americanos, incluindo o presidente Barack Obama, apoiam a ideia de decretar o dia 19 de junho feriado nacional em homenagem ao dia em que os escravos foram finalmente declarados livres. 

Essas iniciativas, de países líderes do mundo, contrastam com o silêncio brasileiro acerca do 13 de maio. Silêncio sobre os séculos de cativeiro negro como um dos primeiros a adotá-lo e sobre o fato de ter sido o último país das Américas a aboli-lo. Silêncio sobre os que se opunham a abolir a escravidão e as circunstâncias em que foram forçados a fazê-la. Silêncio sobre uma figura feminina de Isabel de Bragança que assinou a Lei Áurea e sobre a luta revolucionária dos abolicionistas brasileiros, atores históricos que propiciaram a ruptura de mais de três séculos da ordem escravagista no país. 

Ficheiro:Princess Isabel.jpg
Princesa Isabel

No Brasil, se quer fazer esquecer o 13 de maio, apagando deliberadamente a memória histórica. Por quê? De um lado, porque os descendentes dos brancos escravocratas se sentem e se comportam ainda hoje como representantes espirituais dos personagens antigos que protagonizaram a escravidão. De outro, porque os movimentos negros atuais, depois de adotar, acriticamente, teses de alguns sociólogos ditos progressistas que diziam ser o 13 de maio “coisa de branco”, perderam o referencial do que a abolição representou do cativeiro para nossos ancestrais. 


Ambos os lados deixaram-se engodar pelo golpe de polichinelo da República, que tendo à frente Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto como cabeças de porco, escondiam por detrás as mentes ferozes dos oligarcas das plantações escravistas. 


Juan Pablo Rojas Paúl 
Feita sem idealismos e parca de verdadeiros republicanos, a República nasceu para perpetuar, com seu manifesto falsamente moderno, as maneiras antigas da sociedade patriarcal. Juan Pablo Rojas Paúl (1826-1905), segundo presidente civil da Venezuela, quando soube da queda da monarquia brasileira pela via de um golpe de espada, exclamou triste e profeticamente: “Este é o fim da única república que jamais existiu na América”. 

A Proclamação da República foi um golpe contra o movimento abolicionista enquanto projeto reformista nacional que deveria, além de conquistar a liberdade civil para mais de setecentas mil almas, entre escravos e “ingênuos”, ser completado com a distribuição de terras e direitos, como queriam os mais importantes abolicionistas, como Gama Nabuco, Patrocínio, Dantas e a própria Isabel. 

Por isso, como dizem alguns historiadores mais lúcidos, negar o 13 de maio devido às condições econômicas, passadas ou atuais, da população negra, é compreender a história com preconceitos simplistas e moralizadores, por isso mesmo não históricos. 





Não podemos, ainda hoje, continuar negando a história, achando que tudo por ser explicado pelas estruturas econômicas. Isto nos faz perder, como perdemos com a República, a perspectiva cívica. É necessário recuperar a memória histórica recordando personagens deliberadamente esquecidos, como os abolicionistas, que nos lembram que durante mais de três séculos da nossa história houve escravos, homens e mulheres que, apenas pela cor da pele, se podia comprar e vender, como peças de um mercado repugnante. 

Homenagem do Museu do Forte São Marcelo ao 13 de maio
Foto: Anderson Moreira

Sendo assim, é necessário, [124] anos depois da abolição, recordar e render homenagens ao 13 de maio, como antes nas escolas, os terreiros de culto afro, as autoridades e o povo faziam. Até porque não tivemos no século XX, nem temos até hoje no Brasil, nenhuma voz suficientemente qualificada na defesa da comunidade negra, como foram os abolicionistas do século XIX. Até porque os abolicionistas lutaram em sua época, contra a escravidão, melhor que lutamos hoje contra a discriminação racial e o racismo. Até porque que os abolicionistas foram mais que vencedores! 

Artigo publicado no Jornal A Tarde em 14 de maio de 2010.


Nilston Nascimento é
Jornalista e pesquisador
nilton.nascimento@atarde.com.br


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